sábado, 12 de setembro de 2009

"Não julguem, tentem compreender..."

As partidas que mais nos custam são aquelas que acontecem sem aviso prévio. Um estúpido acidente, um suicídio, uma doença que emerge do nada como um ataque cardíaco ou um AVC.

Partidas anunciadas permitem-nos preparar a dor. Ou pelo menos tentar porque a experiência diz-me que nunca chegamos a preparar-nos totalmente. E quando a bomba rebenta entendemos que a esperança falava sempre mais alto.
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Isto tudo para dizer que nós nunca escolhemos o caminho para a morte. Das três uma: ou os problemas de saúde surgem, ou os acidentes acontecem ou os obstáculos se tornam tão insuportáveis que só queremos algo que alivie, nem que amanhã venhamos a sofrer com isso.

Sei do que falo. Tantas vezes pensei consumir drogas (comprimidos anti-depressivos, calmantes bla bla bla... chamem-lhes o que quiserem ou drogas mesmo a sério, tipo daquelas que não nos deixassem pensar em nada), pensei beber até ficar em coma, pensei mil e uma coisas. Queria algo que acalmasse todo o sofrimento de tantos dias seguidos. De um desespero desmedido. De um "não aguento mais"...
A sorte?! A sorte foi ter pessoas que me seguraram as mãos, que me deram estalos e me obrigaram a levantar a cabeça e aprender o significado desta frase: "Venha o que vier, nada será maior do que a minha alma." (Fernando Pessoa)
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De fácil este caminho não tem nada. O calvário vem muito longe do início deste blog.
Agora eu questiono-me: "E se eu não tivesse amigos?", "Se tivesse problemas de saúde mais graves?", "Se tivesse morrido mais do que uma das pessoas que mais amo?", "Se eu tivesse seguido outro caminho que não o de pedir ajuda e do «eu sei que consigo»?!"
Aí teria escolhido o meu caminho para a morte, dizem vocês. Eu digo que teria escolhido o caminho para o alívio de tão grande dor, nem que fosse apenas momentâneo.
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Sabem o que dói mais quando assistimos à degradação daqueles que mais amamos? É ver que o que eles consideram salvação, quem está de fora entende como abismo. Não é fácil e custa muito.
Se calhar nunca disse que uma amiga se suicidou quando eu tinha 14 anos e que eu a detestei mais do que tudo, por uma atitude tão egoísta. Ela tinha 16 anos e aos nossos olhos transparecia uma vida perfeita. Lembro-me que ela me pediu para eu fazer 800 km para passar férias com ela. Fui. Nos últimos dias estive com ela. Nunca me apercebi de nada. As últimas duas horas passámo-las na praia a ver as ondas e a sorrir. (Deve ser por isso que não gosto muito de praia) Abraçou-me com tanta força que parecia que era o abraço de que mais necessitava (ou sou eu que agora interpreto assim).
Cheguei a casa e em 15 minutos tudo aconteceu.
"J. Tens de ser forte. A C. atirou-se do 13º andar..." Nunca mais esquecerei estas palavras. Eu fui de tão longe para vê-la morrer.
Na carta que me deixou, ela escreveu entre outras palavras: "És pequenina mas muito forte. E eu estarei sempre contigo. (...) Que nunca sintas tão grande desespero. «Não julgues, tenta compreender.»"
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Não compreendi e julguei-a de todas as maneiras possíveis e imaginárias. Acho que cheguei a odiá-la. Apetecia-me ir ao caixão e esganá-la e esbofeteá-la tanto... Depois caí em mim e percebi que queria apenas recuar no tempo e dizer-lhe que a amo e que a vida é linda. Que ela era magnífica, que eu estaria com ela no matter what, e pedia-lhe, por favor, que não me deixasse.

Era tudo inútil. Não sei o que acalmava mais: julgá-la ou julgar-me a mim própria por não ter estado mais presente, mais atenta, mais carinhosa. Eu adorava aquela miúda e sabem quantas vezes lhe disse isso? NENHUMAAAAAA!
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Hoje, compreendo-a. Acho que a vida me "castigou" porque nunca planeei um suicídio mas já senti vontade de morrer. De deixar de existir. Ou de viver em stand-by. Aí lembrei-me do que sofri com a atitude dela. E o que me ajudou quando estava sem rumo foi pensar que, podiam ser poucos os meus amigos mas não mereciam isso. E muito menos os meus pais que viram dois filhos morrerem.
Custou tanto. Juro-vos que sim. Por isso, eu não julgo. São pessoas que não encontram outra saída porque um suicídio ou a entrada no mundo da droga nunca é a primeira solução que procuram. O desespero é imenso. Quem os ama sofre com eles mas nunca mais do que eles. Por isso encaro a atitude deles (principalmente os suicídios) como um acto de desespero e não como um acto de cobardia. É um acto de quem considera que não tem mais nada para viver e não suporta todo o sofrimento que o tolda.
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Hoje sei bem o significado de "Não julguem, tenta compreender..."
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À C. que esteja onde estiver saiba que a vida me ensinou a compreender mas também me ensinou a lutar, porque os nossos problemas não tinham sequer comparação. A vida foi muito mais generosa comigo do que contigo, apesar de tudo.
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À L. que com uma simples expressão me despertou o turbilhão destas emoções das quais nunca falei. Por maior que seja a nossa revolta por tudo o que acontece a quem amamos, pelas injustiças e obstáculos que a vida lhes colocou, acredita que o desespero deles falou mais alto... Temos de os desculpar porque quando o fazemos fica mais fácil aceitar que partiram cedo de mais e injustamente. Quando tinham ainda tanto por viver... E isto dói muito. Muito.

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